Com previsão de se tornar doutora em 2020, Priscila da Costa Gonçalves foi a primeira pessoa da família a obter diploma universitário. Ela fez estágio e mestrado-sanduíche na Alemanha – tendo se mudado sozinha para estudar num país estranho, em inglês, quando tinha 25 anos. Não “pilotou fogão” por muito tempo, mas desde 2017 conduz pesquisas de solda no estado sólido com um forno avaliado em R$ 4 milhões e instalado num laboratório da UFSC. E como aceitar desafios é uma peculiaridade desta pesquisadora, tornou-se a única mulher – entre 24 homens – a ocupar posto de decisão na Alumni EMC (Associação de Ex-alunos do Departamento de Engenharia Mecânica da Universidade Federal de Santa Catarina e da antiga Escola de Engenharia Industrial).
Como membro do Conselho Deliberativo da Alumni EMC, Priscila defende que a anuidade cobrada pela Associação tenha valores diferenciados para estudantes e profissionais, com base em sua experiência de 12 anos como aluna da UFSC. Em 2008, a blumenauense veio de São Carlos – onde estudava Física –, para fazer Engenharia de Materiais em Florianópolis. Logo no primeiro ano do curso, para se manter na capital catarinense, começou a trabalhar das 14 às 22hs. A cada 15 dias, folgava nos domingos. A folga era relativa, pois servia para estudar, como fazia também em muitas madrugadas.
Foi por causa de um 10 obtido numa avaliação da disciplina Introdução a Engenharia de Materiais que o Prof. Aloisio Nelmo Kein começou a apostar no potencial da graduanda e ofereceu a ela uma bolsa de Iniciação Científica no LabMat (Laboratório de Materiais). Entre seus temas de pesquisa nesta fase constavam Metalurgia do pó, Aços sinterizados auto-lubrificantes e Tratamentos de superfície assistidos por plasma.
Assuntos correlatos foram do seu interesse durante o último dos 6 estágios que fez, no Fraunhofer Institute for Manufacturing Technology and Advanced Materials: Implantes ortopédicos, Moldagem de pós por injeção, e Ligas ferrosas biodegradáveis. Na instituição alemã, Priscila tinha bolsa para ficar 8 meses, mas foi convidada a prorrogar sua estadia para permanecer 1 ano e 2 meses em Bremen. O êxito da brasileira já era esperado pelo Prof. Klein, que a havia recomendado para o estágio. “A gente tinha de mandar gente boa, e a Priscila era – e é – uma aluna inteligente e muito dinâmica. Ela não fica sentada, vai atrás das coisas, busca informações e traz propostas”, diz o coordenador do LabMat.”
Ainda na Alemanha, em 2012 Priscila defendeu seu Trabalho de Conclusão de Curso em inglês (Investigation of iron based alloys for degradable orthopaedic implants produced by metal injection molding). No ano seguinte, emendou o mestrado-sanduíche no PGMAT (Programa de Pós-Graduação em Ciência e Engenharia de Materiais) e no Ceramic Materials Engineering da Uni Bayeuth, na Alemanha. A então mestranda deixou temperaturas próximas a 40 graus no Brasil e enfrentou até 20 graus negativos na cidade alemã, que havia pertencido à zona de ocupação soviética na extinta Alemanha Oriental. “Eu tinha feito estágio no Norte da Alemanha, mais cosmopolita, e não imaginava que o Sul, ou pelo menos Bayeuth fosse tão conservadora. Foi ótimo para quebrar estereótipos”, disse a pesquisadora. Sua dissertação, também redigida em outra língua e defendida em 2016, teve como título Dry sliding behavior of filled PDC coatings applied onto surface modified sintered steel.
Defesas em inglês
Ainda na Alemanha, em 2012 Priscila defendeu seu Trabalho de Conclusão de Curso em inglês (Investigation of iron based alloys for degradable orthopaedic implants produced by metal injection molding). No ano seguinte, emendou o mestrado-sanduíche no PGMAT (Programa de Pós-Graduação em Ciência e Engenharia de Materiais) e no Ceramic Materials Engineering da Uni Bayeuth, na Alemanha. A então mestranda deixou temperaturas próximas a 40 graus no Brasil e enfrentou até 20 graus negativos na cidade alemã, que havia pertencido à zona de ocupação soviética na extinta Alemanha Oriental. “Eu tinha feito estágio no Norte da Alemanha, mais cosmopolita, e não imaginava que o Sul, ou pelo menos Bayeuth fosse tão conservadora. Foi ótimo para quebrar estereótipos”, disse a pesquisadora. Sua dissertação, também redigida em outra língua e defendida em 2016, teve como título Dry sliding behavior of filled PDC coatings applied onto surface modified sintered steel. Com a cabeça mais aberta que nunca – também por ter trabalhado com áreas de conhecimento diferentes – e o título de mestra, ainda em 2016 Priscila iniciou um doutorado no PGMAt que incluía avaliar aspectos termodinâmicos envolvidos na união por difusão de metais laminados e sinterizados no LabTucal (Laboratório de Tubos de Calor). “Foi como montar um pequeno laboratório de pesquisa em Materiais dentro de outro, já muito bem consolidado e reconhecido na área de Ciências Térmicas”, explica a engenheira. “Eu tinha como meta pessoal no mínimo manter o mesmo padrão de excelência.”
“Chefe” de engenheiros e bolsistas
Parte do Lepten (Laboratório de Engenharia de Processos de Conversão e Tecnologia de Energia), o LabTucal da UFSC desenvolve permutadores de calor em parceria com a Petrobrás há quase duas décadas. Entre 2013 e 2014, criou uma metodologia alternativa para a fabricação de permutadores de calor compactos soldados por difusão, que foram utilizados para testes de conceito térmico e comparados com modelos teóricos e resultados de simulações numéricas desenvolvidas pelos pesquisadores do laboratório. O potencial da técnica justificou o segundo convênio e a aquisição de um enorme Forno de Aquecimento Resistivo de Alto Vácuo, único equipamento de seu tipo na América Latina para a soldagem por difusão, capaz de controlar a temperatura (até 1700°C), aplicar pressão mecânica (até 2500kN) e manter uma atmosfera de alto vácuo na câmara durante todo processo (mais no link https://noticias.ufsc.br/tags/labtucal/).
Foi ao final deste segundo convênio que Priscila entrou no LabTucal, dando continuidade a estudos já iniciados sobre determinação dos parâmetros tempo, temperatura e pressão para a soldagem por difusão do aço inox 316L. Coube à doutoranda apresentar as conclusões: “Dei quase uma aula de Metalurgia Física para vários pesquisadores experientes da Petrobrás e da UFSC, em que precisei usar todo meu verbo. Apoiada em resultados científicos, para dizer que a qualidade da solda dependia de muitos outros fatores além do trinômio tempo-temperatura-pressão, e que os efeitos desses parâmetros eram fortemente não lineares nesse processo. Apesar de todo conhecimento adquirido no período, ainda não podíamos afirmar nada acerca dos parâmetros ótimos. Para isso, precisaríamos de estudos mais aprofundados por meio de doutorados, mestrados e TCCs na área de Ciência e Engenharia de Materiais, e estes, por sua vez, precisariam de financiamento, inclusive para equipamentos de caracterização.”
Essa multidisciplinaridade – associada às conclusões do projeto – justificaram um terceiro convênio, no âmbito do qual Priscila atua como pesquisadora e orientadora de outros alunos de graduação e pós graduação do PGMat e PosMec (Programa de Pós-graduação em Engenharia Mecânica). “Além do processo de solda, hoje estamos desenvolvendo processos de usinagem, procedimentos de controle de qualidade e técnicas de caracterização para um equipamento ainda importado pelo mercado brasileiro. Quase como consequência, mas não menos importante, formamos recursos humanos altamente qualificados para o país,” acrescenta Priscila, tida como expert no processo de solda por difusão nos projetos que usam o forno, resultado associado também aos anos de experiência teórica e prática nas áreas de metalurgia do pó, tecnologia de plasma aplicada a materiais, tribologia, superfícies e caracterização microestrutural.
“Priscila trouxe ao LabTucal um entendimento mais profundo da Metalurgia Física envolvida no processo de união de materiais por difusão, permitindo que este fosse otimizado, resultando na produção de trocadores de calor compactos de maior qualidade e mais robustos. Mais do que operadora de um forno especial, tem sido ‘chefe’ de Engenheiros de Materiais, mestrandos e bolsistas de Iniciação Científica, liderando-os nas pesquisas na área de materiais dentro no nosso laboratório”, afirma a Professora Márcia Barbosa Henrique Mantelli, coordenadora do LabTucal e coorientadora de doutorado da Priscila (ambas na foto).
Quase doutora
Em 2018, foi integrante da equipe vencedora do primeiro desafio “Materiais aeroespaciais e desafios de fabricação para o próximo século”, promovido pela Boeing e Embraer durante o XVII Encontro Anual da Sociedade Brasileira de Pesquisa em Materiais (fotos). “Tivemos só 24 horas para propor soluções para a indústria aeroespacial baseadas nas propriedades da natureza”, resume.
Priscila prevê defender sua tese de doutoramento ainda em 2020, e pensa em ser professora ou ingressar na indústria em uma posição que a permita continuar pesquisando e desenvolvendo soluções ligadas à Engenharia de Materiais, considerada por ela uma área de conhecimento transversal e multidisciplinar. Entretanto, mantém aberto um horizonte de possibilidades. “Gosto de aplicar ciência na prática e me sinto privilegiada em colaborar com o desenvolvimento do nosso país, tanto por meio das soluções técnicas quanto de gestão e formação de capital humano”, ressalta. Certamente ela não foi a única a se aventurar por terrenos predominantemente masculinos, porém, com suas conquistas acadêmicas, virou fonte de inspiração para mulheres que cogitam não só estudar Ciência dos Materiais, mas também aplicar esse conhecimento para solucionar problemas de Engenharia no Brasil e no mundo.
Por Heloisa Dallanhol
Divulgação EMC/UFSC